quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

VÓ NANA - MARGARET WILD E RON BROOKS – BRINQUE-BOOK


Recebi essa história de presente da amiga Luciana Gomes, que neste ano também perdeu um dos alicérces de sua vida, a vó. E assim como eu, perdeu o chão e o rumo...
Essa é a história de amor entre vó e a neta.
 

 

VÓ NANA E NETA MORAVAM JUNTAS HÁ MUITO, MUITO TEMPO.
ELAS COMPARTILHAVAM TUDO, INCLUSIVE AS TAREFAS. TODOS OS DIAS NETA CORTAVA LENHA ENQUATO VÓ NANA LIMPAVA AS CINZAS DO FOGÃO. NETA VARRIA E VÓ NANA ESPANAVA. VÓ NANA ARRUMAVA AS CAMAS ENQUANTO NETA ESTENDIA A ROUPA.
NETA FAZIA O MINGAU, O CHÁ E AS TORRADAS PARA O CAFÉ DA MANHÃ. VÓ NANA PICAVA CENOURAS E NABOS PARA O ALMOÇO. E JUNTAS, VÓ NANA E NETA, PREPARAVAM SEU JANTAR DE MILHO E AVEIA.
- DETESTO MILHO E AVEIA – NETA SEMPRE DIZIA.
E VÓ NANA SEMPRE RESPONDIA: - MILHO E AVEIA FAZEM BEM À SAÚDE. ENQUANTO EU FOR VIVA, MINHA QUERIDA, VOCÊ VAI COMER TUDO.
POR ISSO, NETA PAROU DE RECLAMAR. ELA COMERIA MILHO E AVEIA NO CAFÉ, ALMOÇO E JANTAR SE COM ISSO VÓ NANA FOSSE VIVER PARA SEMPRE.
UM DIA, VÓ NANA NÃO SE LEVANTOU COMO DE COSTUME PARA TOMAR O CAFÉ DA MANHÃ.
- ESTOU ME SENTINDO CANSADA – ELA DISSE. – ACHO QUE VOU TOMAR O CAFÉ NA CAMA HOJE.
- MAS VOCÊ NUNCA COME NA CAMA! – EXCLAMOU NETA. – VOCÊ NÃO GOSTA DE MIGALHAS DE PÃO NOS SEUS LENÇÓIS.
- ESTOU CANSADA – VÓ NANA REPETIU.
E QUANDO NETA TROUXE A BANDEJA COM O MINGAU, A TORRADA E O CHÁ, VÓ NANA ESTAVA DORMINDO, E CONTINUOU ASSIM DURANTE O ALMOÇO E O JANTAR TAMBÉM. ENQUANTO VÓ NANA DORMIA, NETA CORTOU LENHA, LIMPOU AS CINZAS DO FOGÃO, VARREU, ESPANOU, LAVOU ROUPA E ARRUMOU SUA CAMA. ELA TENTOU ASSOBIAR ENQUANTO TRABALHAVA, MAS TUDO O QUE CONSEGUIU FAZER FOI SOLTAR UM FRACO ÓINC.
NA MANHÃ SEGUINTE, VÓ NANA AINDA ESTAVA CANSADA, MAS, COM MUITO ESFORÇO, SE LEVANTOU. COMEU UMA COLHER DE MINGUAU, UM PEDAÇO DE TORRADA E TOMOU UM GOLE DE CHÁ.
- ISSO NÃO É SUFICIENTE NEM PARA ALIMENTAR UMA ANDORINHA, QUANTO MAIS UMA PORCA ADULTA COMO VOCÊ – RACHOU NETA, FAZENDO UMA CARA DE ZANGADA.
MAS VÓ NANA SÓ FECHOU OS OLHOS POR UM INSTANTE, DEPOIS LEVANTOU-SE E PEGOU O CHAPÉU E A BOLSA.
- TENHO MUITO O QUE FAZER HOJE – ELA DISSE. – TENHO DE ESTAR PREPARADA.
- PREPARADA PARA QUÊ? – PERGUNTOU NETA.
VÓ NANA NÃO RESPONDEU. NEM PRECISAVA. NETA JÁ SABIA A RESPOSTA E ISSO FEZ COM QUE ELA SENTISSE UMA ENORME VONTADE DE CHORAR.
VÓ NANA DEVOLVEU OS LIVROS À BIBLIOTECA E NÃO PEGOU MAIS NENHUM EMPRESTADO. ELA FOI AO BANCO, RETIROU TODO SEU DINHEIRO E FECHOU SUA CONTA. DEPOIS FOI AO ARMAZÉM E PAGOU O QUE DEVIA. PAGOU TAMBÉM AS CONTAS DE LUZ, DO VERDUREIRO E DA LENHA.
QUANDO CHEGOU EM CASA, ENFIOU O RESTO DO DINHEIRO NA BOLSA DE NETA. – GUARDE-O BEM E GASTE-O COM CUIDADO.
- SIM, VÓ – DISSE NETA, TENTANDO SORRIR, MAS COM OS LÁBIOS TREMENDO.
- PRONTO, PRONTO, NADA DE LÁGRIMAS – DISSE VÓ NANA, ABRAÇANDO-A.
- EU PROMETO – FALOU NETA, MAS ERA A PROMESSA MAIS DIFÍCIL QUE ELA JÁ FIZERA NA VIDA.
- AGORA – FALOU VÓ NANA - , QUERO ME FARTAR.
- SEU APETITE VOLTOU ? – PERGUNTOU NETA, TODA ESPERANÇOSA.
- NÃO SINTO FOME DE COMIDA – RESPONDEU VÓ NANA. – QUERO PASSEAR LENTAMENTE PELA CIDADE E ME FARTAR DE OLHAR AS ÁRVORES, AS FLORES, O CÉU, TUDO!
E ASSIM VÓ NANA E NETA SAÍRAM PASSEANDO TRANQUILAMENTE PELA CIDADE. DE VEZ EM QUANDO VÓ NANA TINHA DE PARAR PARA DESCANSAR. MAS NÃO PARAVA DE OLHAR. DE APRECIAR, ESCUTAR, CHEIRAR E SABOREAR.
- VEJA! – DISSE VÓ NANA. – OLHE COMO A LUZ BRILHA SOBRE AS FOLHAS!
- VEJA! – DISSE VÓ NANA. – OLHE COMO AS NUVENS LÁ NO CÉU PARECEM SE JUNTAR PARA FOFOCAR!
- OLHE! – DISSE VÓ NANA. – ESTÁ VENDO COMO O JARDIM SE REFLETE NO LAGO?
- ESTÁ OUVINDO OS PERIQUITOS DISCUTINDO? ESTÁ SENTINDO O PERFUME DA TERRA MOLHADA? VAMOS EXPERIMENTAR A CHUVA!
JÁ ERA TARDE QUANDO VÓ NANA E NETA CHEGARAM EM CASA .VÓ NANA ESTAVA TÃO EXAUSTA QUE NETA LEVOU-A DIRETO PARA CAMA. NETA PREPAROU UM POTE DE MILHO E AVEIA E COMEU TUDINHO. DEPOIS LAVOU E GUARDOU A LOUÇA.ENTÃO ELA ENTROU NO QUARTO DE VÓ NANA QUE AINDA NÃO ESTAVA DORMINDO. NETA SENTOU-SE NA BEIRA DA CAMA AO SEU LADO E DISSE: - VOCÊ SE LEMBRA QUANDO EU ERA PEQUENA E TINHA UM PESADELO E VOCÊ DEITAVA NA MINHA CAMA E ME ABRAÇAVA BEM FORTE?
- LEMBRO – RESPONDEU VÓ NANA.
- POIS HOJE EU GOSTARIA DE DEITAR NA SUA CAMA E ABRAÇÁ-LA BEM FORTE. POSSO?
- CLARO QUE PODE – RESPONDEU VÓ NANA.
ENTÃO NETA APAGOU AS LUZES E ABRIU A JANELA PARA QUE ENTRASSE O AR FRESCO E ABRIU AS CORTINAS PARA QUE ENTRASSE O LUAR. DEPOIS DEITOU-SE NA CAMA DE VÓ NANA, APERTOU-A EM SEUS BRAÇOS E, PELA ÚLTIMA VEZ.
VÓ NANA E NETA FICARAM BEM ABRAÇADINHAS ATÉ O DIA CLAREAR.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Céu de Celeste, de céu-lar, céu-saudade





Dona Saudade - Cláudia Pessoa

Desde muito pequeno, Fernando sempre foi muito grande.

Ele crescia mais pra dentro do que pra fora. Ele crescia pequenininho, já aprendendo coisas de adulto, mas sabendo virar cada vez mais criança.

Não demorou muito para Fernando perceber que as perguntas difíceis que fazia quase nunca os mais velhos sabiam responder. E das perguntas mais complicadas, nem as crianças sabiam as respostas.

Havia uma fadinha preciosa que andava sempre ao lado de Fernando. Ela muitas vezes o ajudava. Tinha respostas bonitas pra tudo. E, mesmo que não tirasse as dúvidas de Fernando, e mesmo que não matasse sua curiosidade, pintava de cores bem vivas aquele pedaço branco que a pergunta deixava no ar para ser colorido pela resposta.

Era uma fadinha bonita pra danar!

Um dia, a fadinha desfadou.

Acho que ela quis deixar uma pergunta bem complicada sem resposta: a pergunta mais embrulhada de todas. Parecia que a fadinha sabia que só Fernando descobriria a resposta. E sabia também que se ela estivesse por perto, ele esqueceria de procurar esta resposta dentro de si mesmo. Fernando iria logo perguntar a ela e esqueceria que carregava a imensa sabedoria que só criança muito criança, crescida pra dentro, tem.

Fernando ficou muito aborrecido com o sumiço da fadinha.

Começou a ter que crescer pra valer. Mais do que nunca ele precisava da fadinha, mas ela tinha desaparecido mesmo.

"Pra onde vão as pessoas que somem da nossa frente?"

Como ter certeza de que o amigo está na cas dele, a prima no balé, o irmão no futebol e a avó no céu!?

Não estamos vendo!

A única coisa de que não tinha dúvida, era de que quando as pessoas que amava desapareciam, às vezes até por uma gigantesca horinha, ele encontrava Dona Saudade.

Dona Saudade tinha mania de persegui-lo. Sempre, quase sempre, em momentos ruins.

Ela roubava todo mundo e sentava no colo de Fernando, com aquele peso pesado, para ele ter certeza de que ela estava ali, para ele sentir ainda mais sua presença.

Dona Saudade era enorme, feia, bruta e ladra. Ela irritava Fernando e machucava seu colo.

Quando ela aparecia, Fernando só pensava na fadinha... Onde estaria? Que resposta daria quando ele perguntasse como fazer pra destruir a danada da Dona Saudade?

Então, quando Dona Saudade aparecia, Fernando saia correndo, empurrava-a de seu colo, se escondia e tentava não olhar pra sua cara.

Tinha muita raiva daquela ladra de pessoas, que insistia em persegui-lo.

Um dia, Fernando estava se sentindo forte, muito forte. Cheio de alegria, cheio de coragem, cheio de amor. Nesse dia, resolveu enfrentar Dona Saudade.

Deitou em sua cama, apagou a luz, fechou os olhos, tirou o cobertor e ficou quietinho, esperando.

Não demorou muito e sentiu um peso pesado sentado bem no meio do peito. Abriu rapidinho os olhos. Abriu também o coração e convidou Dona Saudade, sem nada dizer, pra entrar.

Dona Saudade, diante do convite de Fernando, ficou reticente.

O que estaria havendo?! Isso nunca havia acontecido com ela antes. Sempre que chegava, todo mundo a expulsava. Achou estranho, mas foi se aconchegando, devagarzinho.

Dona Saudade estava desconfiadíssima. Discreta, bem mais magra, resolveu não assustar o menino.

Aos pouquinhos, quando percebeu que Fernando não ia fugir, foi trazendo todo mundo que havia deixado no Céu-Lar, o lugar onde morava, e lentamente foi guardando tudo dentro dela.

Cada pessoa, llugar ou coisa que ia trazendo pra dentro de si, ia fazendo Dona Saudade engordar tudo de novo. Assim, ela foi voltando a seu peso normal. Ela queria que o menino a conhecesse por inteira, grande do jeito que ela era. Não gostava de disfarçar.

Fernando foi respirando cada vez mais rápido, e deixando Dona Saudade entrar.

Até que ela entrou inteirinha.

Fernando, quando olhou pra dentro de si, viu tudo. Entendeu tudo.

Dona Saudade de fato carregava todo mundo.

Dona Saudade de fato, apesar de todo seu peso danado de pesado, coube dentro do seu corpinho pequenininho. Como pôde?

Dona Saudade de fato queria ser sua amiga. E seria.

Fernando ficou enorme.

Uma criança cheia, tão cheia que não cabia mais dentro de si.

Lá dentro de Dona Saudade, que estava dentro de Fernando, estava a fadinha com uma cara feliz. Com uma cara de abraço apertado.

Lá dentro de Dona Saudade, que estava dentro de Fernando, estava o amigo, a prima, o irmão, a avó...

Lá estavam tantos outros!

Dona Saudade finalmente ficou feliz pela primeira vez em sua vida.

Não era fácil vir diariamente do planeta Céu-Lar, carregando tanta gente, e terminar sendo rejeitada por todos. Ninguém abria a porta pra ela. Era por isso que doía. Porque doía nela.

Fernando encontrou a resposta e acolheu Dona Saudade.

Desde então, vendo principalmente como ela esticava e encolhia, ele virou seu melhor amigo.

Fernando carregava Saudade, que de Dona não tinha nada, pra todos os lugares que ia. E com ela, carregava todo mundo que queria.

Ela o acompanhava e ocupava todos os cantos. Até os mais silenciosos.

Quando Fernando queria estar pertinho de alguém, se Saudade não estivesse por perto bastava chamá-la que chegava rapidinho, com todo mundo a tiracolo.

Fernando não cansava de olhá-la.

Também, era bonita demais: corpinho rechonchudo de nuvem colorida, duas estrelas incrustadas no rosto, que viam tudo, até o invisível.

Dona Saudade também tinha um sorriso solar, que iluminava e abrigava o mundo inteiro!

Saudade, certo dia, contou um segredo muito secreto para o seu novo e grande amigo. Um segredo que, aliás, nem precisava ter contado: ele logo percebeu.

Saudade, quando acolhida, fica levinha, levinha, com peso de nuvem sem lágrima: com peso, tamanho e aconchego de céu sem chuva!