terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Nós - Eva Furnari

E pra começar bem a semana, nada melhor que desatar nós, adoro a Mel que assim como eu conversa com a montanha, com a lua e as estrelas, personagem dessa linda história que com certeza muitos de nós se identificará.

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No tempo em que as pessoas nasciam em repolhos e que as bicicletas voavam, havia uma pequena cidade chamada Pamonhas.
Em Pamonhas havia uma casa amarela, onde morava uma garota chamada Mel.
Mel tinha algo diferente; aonde quer que ela fosse, estava sempre rodeada de borboletas.
Os moradores da cidade achavam muita graça naquilo e se divertiam:
- É que ela nasceu num repolho esquisito!
- Nasceu num repolho mofado!
- Num repolho repolhudo!
Mel ouvia tudo muito triste, baixava a cabeça e pensava:
Não vou chorar! Não vou chorar!
E saía correndo antes que alguém visse suas lágrimas.
Mel era assim, magoava-se com qualquer coisa, qualquer coisiquinha de nada.
Era sempre a mesma história.
- Ela nasceu num repolho esquisito!
- Num repolho mofado!
- Num repolho repolhudo!
Mel baixava a cabeça, fazia um esforço danado para não chorar, e corria de volta para casa.
Um dia, porém, foi diferente. Em vez de querer chorar, Mel sentiu o dedinho do pé repuxando.
Estranhou: Ué, que esquisito...
Correu para casa, arrancou o sapato e olhou para o próprio dedo. Esfregou os olhos para ver melhor e, nervosa, gritou:
- Cruzes, meu mindinho se deu um nó!
Tentou esticar, puxar, passar creme, mas não deu certo, nada desatava aquele enroscado maluco.
Estava mais apertado do que nó de marinheiro.Dias depois, aconteceu outra vez.
- ... repolho repolhudo!
Como na vez anterior, Mel não sentiu as lágrimas querendo sair, sentiu foi o repuxo, e desta vez no dedo da mão, no pai-de-todos. Será que é repuxo de nó?
Em casa, sentada na cama, olhou o pai-de-todos. Era nó.
Ela queria chorar parar soltar a tristeza.
Tentou, espremeu os olhos, porém nenhuma lágrima saiu.
Na semana seguinte precisou ir ao armazém.
- Vou de luva, senão, além de rir das borboletas, eles também vão rir dos nós.
No armazém, como ela já esperava, os chatos repetiram a mesma coisa:
- ... repolho repolhudo!
Mais um nó apareceu, desta vez, na perna.
O tempo foi passando e ela já tinha seis nós. Um em cada perna, um no pescoço, em um dedo da mão direita e em dois dedos dos pés.
O pior de todos era o do pescoço, parecia nó na garganta.
O tempo continuou passando e um dia, chegando em casa, Mel se olhou no espelho.
- OH, NÃO! Na ponta do nariz, não!
Era o sétimo nó.
A cabeça zuniu, o estômago embrulhou. Achou que aquela situação não podia continuar, tinha passado dos limites.
Pensou muito. Pensou tanto que quase deu nó nos pensamentos, e finalmente concluiu:
- As pessoas aqui de Pamonhas não são verdadeiros amigos. Quero ir embora desta cidade e procurar um lugar melhor para viver!
E assim fez. No dia seguinte, bem cedo, juntou suas coisas e foi embora.
Foi disfarçada de geladeira para que ninguém a notasse. Caminhou discretamente em direção às montanhas e nem olhou para trás.
- Adeus, Pamonhas, - a mágoa era tanta que ela emendou baixinho - até nunca mais.
Quando o sol estava alto, Mel encontrou um ferro-velho e resolveu livrar-se do pesado disfarce.
- Adeus, geladeira.
E como ela não gostava de magoar ninguém, explicou:
- Não fique chateada, geladeira, e desculpe a sinceridade, mas você pesa demais! O pinguim vai comigo... você pode ser amiga daquele freezer ali...
Fria do jeito que era, a geladeira nem respondeu.
Mel continuou seu caminho, já era noite quando chegou ao topo da montanha.
Tudo era lindo e ela estava em paz. Gritou com alegria.
- Boa noite, montanha! Oi, Lua! Como vão, estrelas?
Olá, flores! Olá, árvores!
Passaram-se os dias e o tempo passou. Montanhas, sol, lua, estrelas, árvores e flores estavam sempre presentes. As borboletas, silenciosas, lhe faziam companhia.
Num belo dia de sol, apareceu uma vaca malhada.
Mel, que sentia falta de alguém para conversar, animou-se: Quem sabe esta vaca pode ser minha amiga de verdade. Acho que as vacas não ligam para essas coisas de nós e muito menos de repolhos.
Aproximou-se do animal e, quase sem vergonha nenhuma, foi puxando conversa:
- Oi, vaca!
O bicho não respondeu.
- Oi, vaca, como é seu nome?
Ela deve ser surda ou, quem sabe, mal-humorada.
Mel ficou chateada. Ora, bolas! Para que serve uma vaca muda?
Imaginou, então, que um gesto poderia fazer a vaca ser sua amiga. Um gesto discreto, quem sabe um pequeno nó no rabo. E, com toda delicadeza, fez um nó, um nozinho de nada, no rabo do bicho.
A vaca, porém, não gostou do gesto e saiu correndo atrás dela, enfurecida.
Mel subiu o morro correndo que nem louca, desceu o morro correndo em ziguezague e a vaca atrás.
Cruz-credo, que mau humor!
- Vaca, você sabe nadar? - gritou.
A vaca não respondeu.
Mel mergulhou no rio e foi dando braçadas, sem nem olhar para trás. Nadou tanto que chegou à outra margem.
Mel, cansada, deitou-se na grama. O sol quente secava suas roupas.
- Enganei você, sua vaca surda, brava, malhada! - cantarolou.
- Que vaca? - perguntou uma voz.
Mel abriu os olhos, espantada. Havia um garoto parado bem diante dela. Havia também uma bicicleta largada ali do lado.
Mel sentiu uma zoeira na cabeça e um embrulho no estômago.
Achou que ia começar tudo outra vez.
... repolho repolhudo!
Mel quis fugir. Num impulso, montou na bicicleta do garoto e pedalou para valer. Rapidamente subiu voando pelos ares.
Não passou nem meio minuto, quando um cisco entrou em seu olho. Ela, que já não era a melhor motorista do mundo, com aquele cisco, então, ficou voando que nem barata tonta. Deu três piruetas e aterrissou desastradamente em cima do garoto.
Os dois se estatelaram no chão.
Mel, ainda sem enxergar direito, tentando ser educada, foi pedindo desculpas.
O garoto pôs a mão na mão de Mel:
- Você se machucou?
Mel não respondeu. O menino da bicicleta continuou:
- Ih, você está molhada, precisa se secar! De onde veio? Do rio? Mel ficou quieta.
- Puxa vida, como você é bonita. E essas borboletas, nunca vi nada tão lindo!
Mel foi sentindo uma coisa esquisita na garganta. O velho e conhecido nó estava repuxando.
Também, esse garoto falou de um jeito... Será que ele está falando sério ou está só se divertindo? Será que ele é um verdadeiro amigo?
A cabeça de Mel zunia, o cisco perturbava, o nó da garganta queria até dar cambalhota. Sem querer, ela desatou a chorar.
No começo de mansinho, depois bem alto, de soluçar mesmo.
Passou a mão no pescoço, surpresa.
- O nó! O nó desapareceu!
Ele sorriu. Mel compreendeu, então, que podia desatar seus nós. E foi assim que aliviou o coração. Chorou mais um pouco e dessa vez era choro de emoção e não de tristeza. Deixou que as lágrimas levassem o cisco embora.
Abriu os olhos. Parecia até que o dia estava mais claro.
- Eu me chamo Kiko, e você?
Mel não respondeu. Estava ocupada reparando num pequeno detalhe. Um detalhe muito, muito interessante. Sentiu-se, secretamente, feliz.
Ele também tem um nó. Um nó no dedo da mão, no fura-bolos.
O garoto percebeu que ela percebeu e, sem a menor vergonha, tocou no assunto.
- Eu sei um jeito de tirar nó de nariz,
Mel desconfiou: Será que sabe mesmo?
- Depois eu conto, agora quero te mostrar um lugar.
Vamos até lá?
Mel não disse nem sim e nem não. Subiu na garupa da bicicleta e voou com ele até a cidade de Merengue, que ficava no lado oposto a Pamonhas.
Quando chegaram, Mel viu, surpresa, que as pessoas da cidade também tinham seus nós. Parecia gente nascida de todo tipo de repolho. Repolho brilhante, branquinho, cascudo, espinhudo, peludo, remelento, mofado, e até repolhudo.
Mel gostou. Adorou. Resolveu que era lá, em Merengue mesmo, que ela iria viver. E repetiu bem alto:
- Adeus, Pamonhas, até nunca mais!
Passaram-se os dias e o tempo passou.
Kiko ensinou a Mel como desfazer nó de nariz.
Mel, agradecida, dividiu com ele suas borboletas.
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2 comentários:

  1. Drica meus parabéns, desejo que sempre tenha ouvintes e leitores, muita proteção de Deus, saúde e sucesso. Adorei! Vou ler pros netos e pra mim, lógico. Abraço

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  2. Adorei Dona Lair, há uma semana depois de muito andar em busca do meu pai que estava desaparecido, na madrugada mesmo ele tendo sido encontrado eu não conseguia dormir e foi este livro que peguei pra ler. Livro bom, lindo e muito sensível que aborda e abarca vários temas. Leia sim. Quem disse que histórias não curam??? Gratidão

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