domingo, 26 de junho de 2011

A jornada interior - Joseph Campbell

A águia e a serpente




Uma imagem constante é a do conflito entre a água e a serpente. A serpente ligada à terra, a água em vôo espiritual, esse conflito não é algo que todos esxperimentamos? E então, quando as duas se fundem, temos um esplêndido dragão, a serpente com asas. Em qualquer parte da terra, as pessoas reconhecem essas imagens. Quer eu esteja lendo sobre mitos polinésios, iroqueses ou egípcios, as imagens são as mesmas e falma dos mesmos problemas. O que muda é a roupagem e a época. É como se a mesma peça fosse levada de um lugar a outro, e em cada lugar os atores locais vestissem costumes locais e encenassem a mesma velha peça. E essas imagens míticas passam de geração a geração, quase inconscientemente. Isso é absolutamente fascinante, porque elas falam do profundo mistério de você e de tudo o mais. É um mistério tremendo, horrível, porque destrói todas as noções fixas que você tem das coisas, e ao mesmo tempo é absolutamente fascinante, porque diz respeito à sua própria natureza, ao seu ser. Quando você começa a pensar nessas coisas, no mistério interior, na vida interior, na vida eterna, não há muitas imagens à sua disposição. Você começa, por sua conta, com as imagens já presentes em algum outro sistema de pensamento. O que se revela com os mitos é que no fundo do abismo, desponta a voz da salvação. O momento crucial é aquele em que a verdadeira mensagem de transformação está prestes a surgir no momento mais sombrio surge a luz.
Como no poema de Roethke "Num tempo de trevas o olho começa a enxergar." É a identificação do Cristo dentro de você. O Cristo em você não morre. O Cristo em você sobrevive à morte e ressuscita. O céu e o inferno estão dentro de nós. Este é o grande esforço conscientizador onde todos os deuses, todos os céus, todos os mundos estão dentro de nós. São sonhos amplificados, e sonhos são manifestações em forma de imagem, das energias do corpo, em conflito umas com as outras. Este órgão quer isto, aquele quer aquilo. O cérebro é um dos órgãos.
A vida vive de matar e comer a si mesma, rejeitando a morte e renascendo, como a lua.
A serpente flui como a água e por isso é aquática, mas sua língua continuamente dispara fogo. Assim você tem aí o par de opostos, reunidos na serpente.
Na história cristã a serpente é o sedutor; é aquele ser que trouxe o pecado ao mundo. A mulher é quem ofereceu a maçã ao homem. Essa identificação da mulher com o pecado, da serpente com o pecado, e portanto da vida com o pecado, é um desvio imposto à história da criação, no mito e na doutrina da queda, segundo a Bíblia.
O mistério da vida está além de toda concepção humana. Tudo o que conhecemos é limitado pela terminologia dos conceitos de ser e não-ser, plural e singular, verdadeiro e falso. Sempre pensamos em termos de opostos. Mas Deus, o supremo, está além dos pares opostos, já contém em si tudo.
A fonte da vida temporal é a eternidade. A eternidade se derrama a si mesma no mundo. É a idéia mítica, básica, do deus que se torna múltiplo em nós. Na Índia, o deus que repousa em mim é chamdo o "habitante" do corpo. Identificar-se com esse aspecto divino, imortal, de você mesmo é identificar-se com a divindade.
A eternidade está além de todas as grandes religiões do Oriente. Nosso desejo é pensar a respeito de Deus. Deus é um pensamento. é um nome, é uma idéia. Mas sua referência é a algo que transcede a todo pensamento. O supremo mistério de ser está além de todas as categorias de pensamento. Como Kant disse, a coisa em si é não-coisa. Transcende a coisidade e vai além de tudo o que poderia ser pensado. As melhores coisas não podem ser ditas porque transcendem o pensamento. As coisas um pouco menos boas são mal compreendidas, porque são os pensamentos que supostamente se referem àquilo a respeito de que não se pode pensar. É absurdo pensar ou falar em Deus deste ou daquele sexo. O poder divino é anterior à separação sexual.


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