Ela era uma senhora, bem velha, de estatura mediana, robusta, vestida sempre com roupas escuras de algodão e tinha um rosto redondo, queimado de Sol. Todas as manhãs, Mãe Wu saía cedo de sua casa e subia, apoiada em seu cajado de madeira, rumo à mais alta montanha daquela pequena aldeia da remota China. Sem parar para descansar, ela chegava ao topo da montanha e ia até o túmulo construído naquele lugar. Ficava um bom tempo lá em cima, rezava, limpava a pedra do túmulo e depois descia para tocar os seus afazeres diários. Fazia isso há muitos anos e ninguém na aldeia se lembrava de um único dia que ela tivesse deixado de fazer esse ritual. Ninguém na aldeia também sabia o motivo que a levava a cumprir essa longa e pesada jornada diária – a bem da verdade todos consideravam que isso era uma esquisitice, alguns até a consideravam meio maluca.
E para dar risadas dessa sua “maluquice” é que uns garotos um dia resolveram segui-la, decididos a se divertir às custas da velha mulher. Sem se importar com a presença dos meninos, Mãe Wu limpou a pedra e fez sua oração diária. Foi quando um deles perguntou
- Porque a senhora faz isso todos os dias, Mãe Wu?
Ela enxugou o suor com a manga da camisa e respirou profundamente o ar da manhã. Depois respondeu
- Há muitas gerações meus antepassados sobem à montanha todos os dias para olhar este túmulo. Eu aprendi a fazer isso com o meu pai, que aprendeu com meu avô, que por sua vez herdou a tarefa de seu pai, e assim por diante. Todos fizeram a mesma coisa, dia após dia. Pois eu devo vir olhar este túmulo todos os dias até o dia de minha morte.
E os meninos perguntaram “mas para quê olhar o túmulo?”
- Eu venho ver se a pedra não está manchada de sangue. Porque segundo a sabedoria da família, transmitida de geração para geração, no dia em que aparecer uma mancha de sangue neste túmulo, essa montanha vai desmoronar, e suas pedras vão destruir nossa aldeia.
Os meninos mal conseguiram conter o riso. Era mesmo uma maluquice. Aquela sólida montanha jamais desmoronaria. E muito menos a partir de uma mancha de sangue naquele túmulo. E um deles ainda ironizou:
- Mãe Wu, o dia que isso acontecer, não deixe de passar na minha casa para nos avisar.
- Fique tranqüilo, respondeu ela. Não pense que eu venho aqui todos os dias só para salvar minha pele. Não, meu trabalho é para salvar a aldeia toda. Se isso acontecer, descerei correndo para avisar a aldeia toda.
Caçoando daquela crendice e dispostos a dar mais risadas, fizeram um plano: pegariam um pouco de sangue de carneiro do açougue e espalharia na pedra do túmulo, só para ver a reação de Mãe Wu. E assim fizeram, não sem antes avisar a toda a aldeia da peça que pregariam na velha mulher.
Na manhã seguinte, Mãe Wu saiu de casa para cumprir seu ritual. As pessoas no caminho – que já sabiam da arte dos meninos – a cumprimentavam de forma exagerada, divertindo-se, mas ela nada percebia. Seus olhos estavam fixos no céu, onde ela sentia alguns sinais nada bons. Sem, saber o por que, Mãe Wu sentia um aperto no coração.
No povoado, todos estavam atentos à reação da velha mulher quando chegasse ao túmulo. E logo ouviram gritos lancinantes vindos do alto da montanha. Mãe Wu descia desesperada, aos tropeções, gritando e avisando a todos que fugissem da aldeia, pois o sinal da tragédia estava dado – antes do anoitecer a montanha ruiria e toda a aldeia seria destruída.
- Calma, Mãe Wu, não temos medo da morte, diziam os moradores, sabendo que aquele sangue era de carneiro e havia sido colocado de propósito. Ninguém lhe dava ouvidos.
Mas nada acalmou Mãe Wu. Ela gritou e bateu de porta em porta, avisando do perigo. E como ninguém a atendeu, voltou para casa, chamou as crianças e adultos de sua família. Juntos arrumaram alguma bagagem e as poucas relíquias dos antepassados, e todos em uma carroça deixaram o povoado para trás e para sempre.
No final da tarde, quando os adultos voltavam do trabalho, o céu escureceu de repente. E um estrondo ensurdecedor aconteceu sem mais nem menos. Ninguém ficou vivo para saber o que havia acontecido. Durante três dias a aldeia permaneceu envolta em grossa poeira. Depois, aos poucos, a luz foi surgindo. Não havia mais montanha, nem túmulo e nem aldeia. Mãe Wu e sua família foram os únicos sobreviventes dessa misteriosa tragédia.
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