segunda-feira, 19 de março de 2012

O que não pode morrer nunca... Clarissa Pinkola Estés - parte I

... e os humanos ainda conseguiam entender a língua dos animais, um pinheirinho que, embora pequeno em estatura, era imenso em espírito.
Ele vivia nas pronfundezas de uma floresta, cercado de árvores muito maiores, muito mais majestosas e mais antigas do que qualquer árvore jamais conhecida até então.
A cada inverno, pais, mães e seus filhos penetravam na floresta em velhos trenós de madeira. Com muita felicidade e animação, eles cortavam algumas das árvores de tamanho médio e as levavam embora. Os cavalos veneráveis que puxavam os trenós resfolegavam, e os sinos nos seus arreios retiniam. O riso das crianças e dos adultos ecoava pelo bosque inteiro.
Ah, sim, o pinheirinho ouvira sussurros entre as árvores mais velhas, as que eram altas demais e grandes demais para serem derrubadas pelo machado e arrastadas dali - é, ele ouvira a história de que as árvores cortadas eram levadas para um lugar maravilho, chamado casa.
Ali, eram tratadas com o máximo respeito, afagadas por muitas mãos e postas numa água que lhes aplavava a dor. Depois, ao que se dizia, uma família inteira de pessoas sorridentes se reunia ao seu redor. Elas enfeitavam a árvore com objetos pequenos e lindos: pequenos globos feitos de fita com amêndoas dentro, doces e outras guloseimas. Velinhas esplêndidas eram acesas e colocadas nos galhos e ramos da árvore. Finalmente, decorada com balas, guirlandas de frutas e às vezes até enfeites de vidro e minúsculos espelhos coloridos, a árvore se tornava o convidado mais reverenciado da casa.
Era de fato uma das glórias mais magníficas que se poderia um dia conceder a uma árvore.
Entre as árvores mais velhas que conheciam esses assuntos, dizia-se que essa era, para os humanos envolvidos, uma época de enorme alegria, pois lindas criancinhas vinham cantar, o fogo ardia em cada lareira e mesmo as estrelas no céu pareciam brilhar ainda mais.
De acordo com a descrição das mais velhas, em toda a parte moças e rapazes podiam ser vistos apressando-se e carregando para o salão o alimento que tivessem para compartilhar com todos. As velhas usavam seus melhores aventais brancos. Os velhos, seus melhores ternos e chapéus pretos. E todas as mulheres usavam seus melhores vestidos pretos. Todos os meninos usavam calças que sempre davam coceira, e as meninas, saias perfeitas para ensaiar mesuras. Ah, tudo aquilo parecia perfeitamento maravilhoso. E era com isso que o pinheiro sonhava.
Ano após ano, ele esperava que o verão passaasse, que o outono chegasse e afinal viesse a beleza do inverno.
Quando sentia o frio cortante dos ventos, se alegrava. Ficava então felicíssimo no seu belo manto verde que se enchia mais a cada ano que passava. E, também a cada ano, no inverno, os trenós vinham e cortavam as árvores novamente, enquanto as ciranças gritavam e faziam bonecos de neve com formato de anjo nos grandes montes acumulados pelo vento.
Apesar de o pinheirinho ser tímido, ele não conseguia se conter e a cada ano gritava com mais atrevimento: "Venham me escolher! Olhem para mim! Adoro crianças. Adoro essa comemoração fabulosa. Olhem para mim! Por favor! Venham me escolher!"
Ano após ano, porém, ninguém o escolhia. Logo muitas árvores haviam sido retiradas da floresta ao seu redor.
Agora o parente mais próximo estava a uma boa distância, e o pinheirinho estava bastante só, mas também em pleno sol e assim ele foi crecendo, crescendo, até ficar muito mais alto do que antes.
No inverno seguinte, voltaram os cavalos puxando um trenó com o pai, a mãe e crianças risonhas. Os cavalos empertigados passaram diereto pelo pinheirinho, pois o pais estava avaliando um denso aglormerado de árvores mais ao longe.
"Espere" , gritou uma das crianças, "aquele alia atrás, aquele ali sozinho." E o pinheirinho começou a tremer de esperança.
"Ah, isso mesmo! Cheguem mais perto! Olhem para mim! Por favor! Venham me escolher!" O pinheirinho se esforçava para ficar mais reto e mais alto. E a família deve ter ouvido o que dizia, pois o trenó parou, os cavalos deram meia-volta e logo a família estava abrindo caminho na neve espessa para examinar a árvore.
"Ah, olhem como os galhos são cheios de vida", exclamou uma criança que tinha as bochechas perfeitamente rosadas. "Ah, vejam como essa árvore está verde e vigorosa", disse a mãe.
"É", respondeu o pai, "essa aqui não parece nem alta nem baixa demais, está perfeita para nós."
E o pai apanhou seu machado no trenó. Com o primeiro golpe, o pinheiro sentiu a maior dor de toda a sua vida. "Ai", gritou a árvore, "vou cair". E nesse exato momento, ele desmaiou.
O machado continuou os golpes até que a árvore fosse separada da sua raiz, derramando grande quantidade de neve ao tombar.
Muito mais tarde, o pinheiro voltou a si no reboque que vinha dançando atrás do trenó. Tilintavam os sininhos nos arreios dos cavalos, e o pinheiro ouvia a conversa e o riso das pessoas.
A dor mais terrível parecia estar passando agora. além disso, ele tinha uma vaga lembrança de que estavam indo a alguma parte, a algum lugar importante, lindo e maravilhoso, a um lugar que ele havia desejado ver todos os dias e todos os anos da sua vida passada.

.... nesse ponto, convido você, meu leitor a acompanhar durante esta semana as outras partes desta lindíssima história que faz parte do livro O jardineiro que tinha fé...

A semente nova tem fé.
Ela se enraíza mais fundo nos lugares mais vazios.
C.P. Estés

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