quarta-feira, 21 de março de 2012

O que não pode morrer nunca... Clarissa Pinkola Estés - parte III

O pai entrou então, com passos pesados, e tirou todos os enfeites do pinheiro, guradando-os em caixas com camadas de enchimento de algodão.
Depois, tirou a árvore da água e a sacudiu com tanta força que qualquer outra coisa que pudesse estar escondida nos galhos cairia ao chão. Ele deixou as guirlandas de frutinhas secas na árvore e a arrastou da sala.
O pinheiro, apesar de surpreso com esse tratamento grosseiro, ainda estava esperançoso. "Ah, eu me pergunto para que sala iremos agora." Ele imaginou todo o processo jubiloso da decoração, dos presentes, das crianças dançando e de todos cantando, e suspirou ao pensar nisso tudo.
O pai, no entanto, arrastou de maneira descuidada o pinheiro pela escada de madeira acima, que não parava de subir e cujos degraus iam se estreitando cada vez mais quanto mais eles subiam. E afinal, no patamar mais alto, o pai abriu uma pequena porta e, sem cerimônia, jogou a árvore lá dentro. A árvore exclamou alarmada no que lhe pareceu um grande grito: "Que tipo de escuridão é esta?" Mas a verdade é que ninguém pareceu ouvir, pois o pai fechou a porta e desceu de volta pela escada.
... Pois, você sabe, nesse quartinho frio no sótão, não havia luz a não ser por uma janelinha embaçada na lateral do telhado, através da qual brilhava aquela estrela enorme.
"Ai, pobre de mim", pensou o pinheiro, tateando todos os galhos para ver se havia alguma fratura. "O que eu fiz para ser abandonado num lugar tão frio e solitário?"
Mas ninguém ouviu. E ali o pinheiro ficou muitos dias e muitas noites.
Certa noite, porém, com o canto do olho, o pinheiro viu quatro pontos vermelhos reluzentes. Eram os olhos de dois ratinhos minúsculos que ocupavam as paredes do sótão. "Ah", disse-lhes, em voz baixa, "ah, minhas senhoras, sabem me dizer quando virão me buscar, quando voltarei para a sala especial?" O camundongo de macacão  e cachecol começou a rir e a gaguejar: "V-v-v-v-vir para levar você de volta para a sala especial?" Ha, ha, ha."
Mas o outro camundongo, de vestidinho e avental branco, cutucou o companheiro e falou com a árvore com gentileza: "Querida árvore, ora, você teve uma vida boa, não teve?"
"Tive", concordou a árvore, com tristeza.
"Ah, sei que você sentia ter nascido para essa vida, tanto que não desejava que ela mudasse. Mas...", e nesse ponto ela afagou a árvore, "todas as coisas, árvore querida, mesmo as coisas boas, têm seu fim."
"Esta época precisa terminar?", indagou o pinheiro.
"Sim", respondeu o camundongo, erguendo a mão e acariciando-a novamente. "Essa época já terminou. Mas agora começa um tempo diferente. Uma nova vida, um tipo de vida diferente sempre se segue à antiga. Você vai ver."
E os dois camundongos fizeram companhia à árvore a noite inteira. Contaram histórias e cantaram todas as músicas que conheciam. O pinheiro perguntou se os camundongos não gostariam de subir nos seus galhos para se aquecer, e eles disseram que sim, muito obrigado, e subiram. Juntos eles dormiram durante a noite escura com a grande estrela lá fora se aproximando cada vez mais da janela, quase como se soubesse de seus destinos e, com pena, lançasse sua luz ainda mais sobre eles.
Pela manhã, o pinheiro e os camundongos foram despertados abruptamente pelo ruído de passos pesados na escada, e o casal de camundongos saltou dos galhos do pinheiro. "Adeus, querido amigo. Lembres-se de nós como nós nos lembraremos de você e da sua bondade." E os camundongos correram para a fresta na parede.
"E eu, de vocês", exclamou a árvore. "Eu me lembrarei de vocês."
A porta do sótão foi aberta com violência, e o pai, usando um gorro de lã e um sobretudo, agarrou o pinheiro e o arrastou pela longa escada abaixo, pela porta, até o quintal. Ali, deitou o pinheiro num toco velho e ergueu muito alto um machado enorme, que caiu na árvore com o mais terrível dos pesos, provocando os ruiídos mais medonhos de madeira dilacerada. Com o primeiro golpe, a árvore achou que ia morrer com a dor, e antes do segundo já estava inconsciente.
Muito tempo depois, o pinheiro acordou novamente no canto da sala especial e, embora não se sentisse muito bem, parecia que lhe faltavam apenas sua copa verde e que seus braços estavam arrumados de um modo totalmente diferente, em pedaços. No entanto, viu, nas poltronas diante da lareira, o velho casal à casa, vindo da floresta. Eram eles que haviam banhado seu ferimento com água fresca. Ali estavam eles, bem juntinhos diante do fogo. Apesar do seu estado, o pinheiro sorriu com o amor que via entre os dois.
O velho levantou-se e jogou um dos braços do pinheiro no fogo. Embora de início o pinheiro resistisse e protestasse, logo compreendeu, enquanto a chama queimava cada vez mais fundo no seu coração, que aquela era sua alegre missão no mundo - dar calor para pessoas como essas. Ah, se aquecido de dentro para fora pelo amor, e de fora para dentro pelo amor de alguém como ele.
O pinheiro ardeu então com uma força ainda maior. "Ah, nunca pensei que pudesse queimar com tanto brilho, que pudesse encher uma sala com tanto calor. Amo esses velhos com todo o meu coração." O pinheiro e todos os nós na sua madeira - e no seu cerne - explodiam de alegria nas chamas.

"Saia para o campo para chorar porque lá suas lágrimas vão fazer bem tanto a você quanto à terra."

... amanhã continuamos....

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