quinta-feira, 22 de março de 2012

O que não pode morrer nunca... Clarissa Pinkola Estés - parte IV

Noite após noite, o pinheiro permitia essa entrega. Era tão completa sua alegria por ser útil e ter vida desse modo que ele queimou e queimou até não restar mais nada dele, a não ser as cinzas que jaziam no fundo da lareira.
Quando estava sendo varrido da lareira pelos velhos, pensou que sua vida fora gloriosa, mais do que esperara, só que agora a nada poderia aspirar.
O casal de velhos era muito cuidadoso e, com sua mãos velhas e sábias, varreu delicadamente cada fragmento de cinzas da lareira. Puseram as cinzas num saco macio e muito usado e o guardaram até a chegada da primavera.
Quando a terra começou a se aquecer, o velho e a velha trouxeram para fora de casa o saco de cinzas, entraram pelos jardins e campos e espalharam cuidadosamente as cinzas do pinheiro por todas as videiras e também por todas as suas terras. Eles misturaram as cinzas do pinheiro ao solo. Com o tempo, quando as chuvas e o sol da primavera chegaram para ficar, as cinzas sentiram sinais de vida por baixo delas.
Aqui e acolá, por baixo, através e em volta das cinzas, surgiam minúsculos brotos verdes das entranhas do solo, e o pinheiro deu milhares de sorrisos e milhares de suspiros na sua felicidade por voltar a ser útil.
"Ai, eu não sabia que podia virar um monte de cinzas e ainda assim voltar a produzir tanta vida nova. Que sorte enorme coube à minha vida. Cresci no isolamento da floresta. Mais tarde, que blos dias e noites de copos a tilintar, de luz de velas e cantorias eu vim a conhecer. Na minha época de solidão e carência, na mais escura das noites, tive a amizade de estranhos, como se fôssemos uma só família, ou até mais do que isso. Mesmo quando estava sendo dilacerado pelo fogo, descobri que podia emitir imensa luz e calor do meu próprio coração. Que sorte, como fui afortunado.
"Ah", suspirou o pinheiro, "de tudo que cresce, cai e cresce novamente, é só o amor pela vida nova, e apenas ele, que dura para sempre. Agora estou em toda a parte. Está vendo como vou longe?"
Naquela noite, quando a grande estrela cruzava o céu noturno do universo, o pinheiro jazia sobre a terra abençoada, aninhando-se junto às raízes e sementes para aquecê-las com suas próprias cinzas, nutrindo para sempre todas as coisas que crescem; e essas, por sua vez, nutrindo outras, que por sua vez nutririam ainda outras, por todas as gerações futuras. Naquela lindíssima terra, da qual ele vinha e para a qual agora voltava, ele dormiu bem e teve sonhos profundos, cercado ali - como um dia estivera cercado antes no meio da floresta - por aquilo que é muito maior, mais majestoso e muito mais antigo do que jamais se conheceu.

"Não existe nada que não tenha valor. Tudo pode ser usado para alguma coisa. No jardim de Deus, há uma utilidade para tudo e para todos."

E assim, terminamos essa lindíssima história que deixa uma escuta toda particular, para mim e para vocês.

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