terça-feira, 20 de março de 2012

O que não pode morrer nunca... Clarissa Pinkola Estés -parte II

Afinal, quando ia escurecendo, o trenó com a família e a árvore no reboque estacionou diante de um chalé coberto de neve. Um velho e uma velha saíram pela neve adentro e se aproximaram do reboque, exclamando: "Que árvore linda, linda, tão alta e tão cheia. Do tamanho exato. Perfeita".
"Ah", pensou o pinheiro, "como é bom ser bem-vindo. Eu me pergunto se este não é o lugar onde alguns dos meus vieram ao longo dos anos. Ah, espero voltar a vê-los em breve."
Os velhos o tiraram do reboque com mãos cuidadosas. Eles o admiraram, o afagaram, virando-o de um lado e do outro. Mergulharam o tronco cortado da árvore num balde de água fresca que aliviou grande parte da sua dor.
E quando apagaram os lampiões, o pinheiro, que amava a profunda escuridão da floresta, começou a amar também a escuridão daquela casa. Apesar de estar acostumado a ver o céu noturno inteiro, cheio de estrelas, e agora só enxergar um pedacinho de céu através de uma pequena vidraça na janela, havia uma estrela que cintilava mais do que as outras. Ao vê-la, o pinheiro pressentiu a promessa de que muito ainda estava por acontecer.
Com esses pensamentos, ele, como o restante da casa, logo adormeceu num sono profundo e feliz.
Bem cedo na manhã do dia seguinte, houve muito barulho e rebuliço com todo mundo se cumprimentando, se queixando e tagarelando. Alguém estava tirando a poeira do balde de aparas de lenha para enchê-lo ruidosamente. Os cachorros entraram latindo de alegria, seguidos pelas crianças, depois a mãe e o pai, os mais velhos e também outras crianças e amigos, todos trazendo muitas caixas.
A árvore esperava, literalmente prendendo a respiração de tanta emoção.
As pessoas tiraram as tampas das caixas, e dentro delas havia enfeites de todos os formatos e tamanhos, feitos de vidro finíssimo. Havia guirlandas de frutinhas e velas com pequenos papéis coloridos em copinhos de vidro.
Em toda a sua volta, a árvore foi adornada e enfeitada com esses objetos. E depois, que maravilha! Dezenas de velas foram acesas, uma após a outra, e arrumadas em círculos e espirais até os galhos mais altos, deixando o pinheiro em glória absoluta.
"Ah, isso é tudo o que os mais velhos lá na floresta descreviam, e muito mais", exclamou o pinheiro. Ele fez um esforço enorme para esticar ainda mais os seus galhos enquanto procurava ficar o mais bonito possível. As crianças gritavam e corriam ao redor, enquanto outros tocavam e cantavam; ah, que alegria, especialmente quando uma linda criança, erguida pelo avô, colocou uma estrela de papel no ponteiro bem no alto da árvore.
Naquela noite, depois que as crianças dormiram e o pinheiro cochilava, enquanto o brilho da grande estrela entrava pelas janelas, os mais velhos entraram furtivos na sala com presentes embrulhados em papel pardo liso e bonito, enfeitado com retalhos de pano que eles haviam unido com uma linha colorida de bordar. No consolo da lareira, puseram cavalinhos, porquinhos, patinhos e vaquinhas feitos de maçãs e laranjas, com gravetos enfiados no lugar das pernas, e olhos e focinhos esculpidos de modo a parecer que estavam sorrindo. E todos foram feitos por mãos cheias daquele tipo de amor que deseja surpreender e agradar as criancinhas.
Pela manhã, a árvore acordou sobressaltada quando as crianças entraram correndo, gritando e exclamando:
"Ah, olhem como a árvore está linda, e os presentes ali embaixo." E elas abriam os embrulhos e exibiam belas bonecas de trapos com densas cabeleiras castanhas de lã e vestidos de crochê, feitos a mão. Em seguida, desembrulharam carroças feitas de restos de madeira com rodinhas que giravam de verdade.
Elas arrancaram alegres as castanhas do pinheiro, e a árvore farfalhava os galhos, feliz por participar de tudo com que havia sonhado, e muito mais.
Mais tarde, as crianças tiravam uma soneca no tapete e os adultos também cochilavam. Até mesmo os cães e os gatos estavam adormecidos, a sonhar.
E o pinheiro refletia sobre seu destino incrível e sobre todos os acontecimentos do dia. Estava felicíssimo.
Naquela noite, quando todos estavam na cama e roncando baixinho - o cão e o gato, assim: zzzzzzzzz; as crianças, assim: zzzzzzzzzzzzzzzzzz; e a mãe e o pai e os velhos, assim: ZZZZZZZZZZZZZ - a árvore dormia profundamente também e sonhava com sua nova vida.
No dia seguinte e no outro, a árvore continuou orgulhosa na sala, embora estivesse um pouco desarrumada por ter todas as fitas arrancadas e porque sua estrela estava meio caída sobre um dos seus olhos. Apesar disso, tudo estava uma glória mesmo quando o pinheiro viu que a maioria das crianças e dos adultos subia nos trenós e ia embora. "Ora, estarão de volta hoje à noite", pensou o pinheiro, "e então vão mais uma vez pôr meu tronco machucado numa água fresca e nova.
Vão me decorar de novo, e a festa vai recomeçar."

.... amanhã tem mais...

"É no meio da aflição que tantas coisas ficam claras.
Quem diz que nada de bom resultou disso ainda não está escutando."

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